Videopartes depois dos 40: um papo com o Carlão de Suzano

O skate é uma coisa mágica e a gente descobre isso desde as primeiras remadas. Se você, assim como nós aqui do Trocando Manobras, foi mordido pelo bichinho do vício do skate, sabe que é algo difícil de entender caso você não ande. 

Na maioria das vezes, a gente descobre o skate cedo, com pouca idade, ainda na adolescência e é super impactado pelo poder que os pretextos do skate trazem além das manobras. A gente molda nosso caráter a partir do brinquedo de madeira e rodinhas, vira nosso maior atributo e temos orgulho de ser chamados de skatistas. 

Assim chega a vida adulta, chegam outras responsabilidades, alguns viram skatistas profissionais, outros nem chegam perto de ter nível pra serem alguma coisa no skate além de entusiastas. Mas tudo bem, no final do dia, Pros e Joes vão pro mesmo pico andar de skate e trocam suas experiências nas mesmas marcas de vela que outros muitos já andaram. 

Mas mesmo você sendo profissional, amador ou um puta de um prego, se você se apaixonou pelo skate, com certeza tem algum objetivo pessoal com ele. Seja fazer uma video parte, ser patrocinado, ter uma foto na revista, sair na Thrasher, só Deus sabe. E isso seja na idade e no momento que for. 

O Carlos Eduardo Elídio, o Carlão, ou o BiblioteKarlos, de Suzano, é um desses skatistas. Com 40 de idade e 27 anos de skate, o Carlão acabou de lançar mais uma videoparte, a oitava em sua caminhada como skatista, e a gente foi atrás pra trocar uma ideia com ele pra saber se, mesmo com quarentinha na conta, o amor pelo skate ainda é o mesmo e, principalmente, se as pernas ainda ajudam na hora de bater o pop pra conquistar os sonhos de skatistas que todos nós temos. 

Esse é o Carlão!

Trocando Manobras: Como é fazer uma parte aos 40+ anos? O skate é diferente de quando é jovem? O que você sentiu que mudou filmando essa parte?

Carlão: Mano, pra mim nada mudou fazendo essa video parte, skate e filmar na rua está intrinsecamente ligado ao meu ser. Na real, humildemente falando, estou na minha 08º vídeo parte (cuida Marc Johnson, hahaha). Não é preciso ter patrocínios ou estar no game para registrar as nossas vivências no skateboard, até porque eu nunca tive um suporte financeiro de nenhuma marca de skate, bagulho é apenas pelo amor e paixão. 

Eu sempre filmei, seja de celular, câmera… A minha sorte é ter amigos que manjam muito do ângulo certo pra valorizar uma trick e o principal, a paciência em me filmar (gratidão). 

Não é sobre ser famoso, conquistar status ou ganhar dinheiro. É uma vontade gigante que tenho em filmar, todos os dias passando pelos caminhos e ruas da minha rotina diária, já vou observando o que posso fazer dentro das minhas possibilidades de skatista. 

Dessas oito video partes (todas estão disponíveis pra assistir no YouTube) cinco são local partes com imagens de celular. E 03 partes são mais bem produzidas, que são:

–  “Entre Outros Mil”, full lenght de 2012 filmado e dirigido pelo meu amigão Rafael Cagão, que retrata toda a cena do skate de Suzano, e vários amigos também tem partes;

– Vídeo parte na Cemporcento, que chama “Wagwan” (significa “salve/eaí firmeza?” em jamaicano), saiu em 2021;

– E minha última vídeo parte que acabou de sair há 12 dias chamada, “40 primaveras”. 

Pra mim, nada mudou desde quando comecei a andar de skate, o sentimento é exatamente igual, sou extremamente apaixonado (ou viciado, nóia, rsrs) em andar de skate e viver essa cultura linda em que estamos inseridos. 

A última do Carlão é essa, chamada 40 PRIMAVERAS

O skate tá nas Olimpíadas e a galera leiga acha legal, mas é sempre uma coisa atrelada a jovens. Como você avalia o olhar da sociedade para um adulto andando de skate? Você recebe algum preconceito pelo fato de ser skatista mais velho ou é algo que a galera aceita bem?

O skate nas olimpíadas é uma discussão que precisa de muito “café com bolachas”, como disse o Ice Blue em uma podcast. Para sintetizar minha opinião sobre o assunto, atrelado a inúmeras entrevistas que já li de skatistas profissionais e profissionais do mercado que compartilharam o mesmo consenso, seria que o skate core (onde está o amor e a arte inserida) sempre vai existir (mesmo que em menor parcela) em paralelo ao skate negócios, que é baseado apenas em entretenimento (para eles o skate é apenas números e lucro, tipo o Big Brother, hahaha). 

Hoje em dia, a sociedade já vê o skate com outros olhos, os leigos sorriem para a gente igual se tivessem vendo qualquer outro esporte. Eu sou partidário do skate punk rock, remar a milhão na rua, fazer barulho, dando powerslide, alguém se assustar comigo remando a milhão, passar no meio dos carros, rs. Mas, não posso ser ignorante em enxergar os benefícios nos dias atuais da nossa cultura do skate para um pai e mãe de família que agora pode levar seu filho ou filha para uma skatepark e passar uma tarde juntos, o acesso mais fácil e rápido que uma criança encontra no skate. Eu peguei o finalzinho da época em que não podia entrar nas estações do metrô com skate, eu com 14/15 balão no centro de São Paulo tinha que procurar sacola plástica e fazer esse corre.

Então, tudo tem seu lado positivo, vamos ter esse olhar, porque só ser hater de internet é fácil. 

Sobre alguém me olhar torto por ter 40 anos e andar de skate, eu nunca percebi, eu tenho  alguns problemas sobre saúde mental, inclusive faço tratamento psiquiátrico e terapia, mas sobre alguém me olhar manobrando, não passa nada, minha auto estima é forte que eu nem percebo olhares negativos sobre mim, minha mente está blindada e graças a Deus por isso. Desse problema ter idade X e andar de skate em algum lugar Y não acontece comigo. 

Ando de skate em qualquer lugar e com qualquer pessoa, claro que não foi sempre assim, isso é amadurecimento tanto de vida como no skate, quantas e quantas vezes eu adolescente no início dos anos 2000 no Vale do Anhangabaú não conseguia andar de skate naquele lugar, ficava horas vendo (admirando) os skatistas locais, caras como Charles Pereira, André Genovesi, Maurício Fratea (Bozo), Pat, Erasmo Sucrilhos, Formiguinha, Everton Tutu, finado Spanto, Márcio Torreta e inúmeras outras pessoas. 

Se nós andarmos de skate seja onde for, munidos de energia positiva e amar de verdade esse universo, nada irá nos abalar. Boto fé nisso!

Existe um etarismo dentro do skate? Como a comunidade do skate enxerga um skatista de mais de 40 anos? Existe espaço na sessão? Como você avalia isso?

Para o mercado do skate, eu vejo por ler nas mídias, buscar informações na internet, que as marcas (falando de Brasil), não querem ou não ligam de ter skatistas mais velhos em seus times. É evidente que o skate é mais praticado por jovens, porém se um skatista profissional ainda está no seu auge técnico, de postura e contribui como um todo para sua cena local e nacional, ele merece sim continuar nas marcas em que está e até conquistar outras.

Alguns outros skatistas que são realmente lendas para nós, nem preciso citar nomes, nós sabemos quem são, deveriam estar com contrato vitalício em algumas marcas. As companhias estadunidenses fazem isso, não é um tiro no pé ou perder dinheiro em pagar um salário digno a um skatista de 35/40/50 anos. É investir no legado em conjunto do skatista com a marca que o patrocina, isso deixa a imagem de ambos muito mais forte, quando vemos ou lembramos do Mark Gonzales, a imagem da Adidas vem na cabeça, Steve Caballero, vem a Vans e seu pro model eterno, o “half cab”. 

Falando na sessão de skate, pra mim é normal, não tem idade. Se você anda sempre, tem a frequência normal de um skatista trabalhador, manobra 03, 05 vezes ou todos os dias. A linguagem é a mesma dos skatista locais mais novos, assistimos quase que os mesmos vídeos, ouvimos as mesmas músicas, as referências dentro do skate são bem próximas. Então, na sessão de skate não tem restrição de idade, na verdade é ao contrário, o skatista mais velho que nunca parou andar tem um respeito monstro pela sua caminhada de décadas no skate com os skatistas de 18, 20 e poucos anos. 

Pelo menos, aqui em Suzano é assim. Talvez o skatista que já tenha parado de andar umas ou várias vezes e aquele skatista que comece a andar de skate já em idade adulta, tenha outras questões sobre frequentar um espaço majoritariamente de jovens. Mas, no fim tudo é skate, o que importa é estar em cima dele e não pensar em mais nada. Questões psicológicas, sociológicas e antropológicas a gente deixar pra pensar depois que acabou a sessão.  

Mas o Carlão tá ligado que tem que fazer outras fita além do skate

 O corpo do skatista vai sofrendo com as batalhas do tempo e nem sempre a gente tá ativo 100% andando de skate. Mas a cabeça muda? Você ainda pensa em skate igual pensava de skate quando era mais novo? Como é essa parte de relação com o skate pra você hoje?

A cabeça muda no sentido de evoluirmos como ser humano, estando mais maduros com a idade. Pensando assim, eu mudei muito, eu não sou mais o Carlos de 18 anos, nem o de 25 ou 30 anos. O mundo muda e se queremos ser melhores como pessoas temos que mudar também. 

No entanto, falando do skate e a febre em sair de casa pra andar, assistir um vídeo que acabou de sair da sua marca preferida, ficar horas a fio sentado na calçada conversando com amigos sobre skate, música, filmes, vivências, para mim, continua a mesma coisa, acho que está melhor na verdade agora estou mais velho. Sei onde quero chegar com meu skate, não me deslumbro mais com certas coisas no skate, que por falta de experiência nos frustramos às vezes. Eu hoje, vivo minha melhor fase no skate eu acredito, só falta ter base do switch kickflip no solo, hahaha. 

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