No skate, não vão lembrar de você sem te ver 

A frase que inspira a brincadeira feita nesse título, a “quem não é visto, não é lembrado”, é uma que a gente ouve bastante no skate e nas trajetórias que a gente tenta percorrer com ele. E um pouco, de fato, a gente reproduz esse pensamento de forma constante, porque, querendo ou não, o skate é visual o suficiente pra gente ter sempre que lembrar que fulano ou ciclana ainda são skatistas ou estão trabalhando com isso. 

Tive uma experiência de afastamento por lesão no skate recentemente. Foi um ano andando de skate lesionado, andando mal e indo a poucos lugares por conta da lesão, mais 4 meses pós cirurgia sem colocar o pé no skate. E nunca essa frase que a gente está falando foi tão presente na minha caminhada do skate. Nunca foi tão forte. 

Tudo bem, para quem acompanha o Trocando Manobras sabe que a gente nunca foi tão presente nos eventos de skate, mas sim mais presentes nas ruas de São Paulo e nos picos por aí. Nossa parada sempre foi mais andar de skate do que festejar o skate em festinhas e premières, e isso, de certa forma, fazia uma presença no imaginário das pessoas, provando (sim, você tem que provar) que a gente realmente andava de skate e não só sabia falar sobre. 

Eu não critico essa prova, também sou adepto do pensamento que tem que saber andar de skate para entender o skate, e quanto melhor você andar, mais portas vão se abrir e mais “street credit” você vai ter. Esse crédito das ruas é algo que é construído estando nas ruas. Não dá pra conseguir isso de trás da câmera do seu celular ou em uma coleção de roupas que são baseadas em alguma cultura forte de rua. Não, você tem que viver o universo que você vive, tem que respirar o ar sujo das nuances pelas quais esse mundo se sustenta e se balancear na corda bamba que permeia o intrínseco game no qual a gente quer jogar. 

E estar longe, é estar fora. 

O skate é um caminho ágil no qual você tem que estar remando junto pra acompanhar tendências, assuntos e ser acompanhado no mesmo ritmo. O skate é dinâmico, é jovem, é hoje e você pisca e já não é mais nem hoje. Tem que existir o próximo e por aí vai. 

Sempre assisti os vídeos da galera que se lesionava e buscava fazer outras coisas para passar o tempo. Alguns jogavam muito videogame, outros faziam algo relacionado à arte, outros simplesmente enlouqueciam. Muita gente nesse momento vai pro lado das drogas, das bebidas e afins, mas não só pelo fato de não estar fazendo fisicamente o exercício físico que escolheu pra chamar de vida, mas também pelo fato de que aquele holofote já não está em você. 

É muito difícil lidar com a irrelevância. E nessa parada do skatista não ser um atleta (em sua maioria, no caso) esse fator de momentos sem skate se torna muito difícil de acompanhar e de ter um apoio que seja além do físico, mas também trabalhando o lado emocional e psicológico. Se você não vai atrás de uma alternativa ou de um tratamento, ninguém vai por você. E nessa falta de assunto, nessa falta de interesse e nessa falta de abertura pra falar sobre saúde mental, a gente acaba focando nossos esforços em saúde física, mas nem sempre é só ela que faz a gente superar obstáculos intrínsecos e inconscientes do nosso viver skatista. 

Eu tenho muita sorte e privilégios, tirando até só o fato do Filipe skatista. Pensando em questões sociais e de origem, eu tenho muita sorte e privilégios, mesmo. Falar de saúde mental sempre foi algo relevante na minha família e no ciclo de amigos que tenho fora do skate. Fazer coisas fora do skate também foi sempre algo que existiu na minha vida. Sempre toquei, estudei, li, foquei em outras coisas. 

E mesmo com todos esses privilégios, tiveram momentos (e de fato ainda existem e vão existir) que não consegui lidar com as frustrações do skate e da falta que o skate faz quando ele não existe, seja pelo motivo que for. 

Existe uma infelicidade gigante quando não existe o skate. Existe a dúvida, a descrença, a baixa autoconfiança, o medo de não ser relevante. O medo de ter ficado no passado e já era. 

Falando isso tudo e nem sou tão bom andando de skate, haha! Mas isso também existe pra quem trabalha com isso. Já são 12 anos de Trocando Manobras e tem sido cada vez mais difícil ser relevante. E a gente sabe que também é por conta de não ser visto, nem lembrado nas sessões. 

Voltando até para a ideia do começo do artigo, sobre ser visto e lembrado, isso se multiplica numa era em que você tem que estar constantemente atuando nas redes sociais. Numa era onde você tem que ter uma presença massiva para ser entregue e para que o jogo do algoritmo te privilegie e te faça ser lembrado por mais pessoas. 

Mas a gente precisa mesmo jogar esse jogo pra provar que somos skatistas e que ainda estamos aqui? Essa é uma resposta que não tenho sabido dar, nem para mim mesmo. Tem dias que tenho vontade de fazer 5 vídeos, estar presente em todas as redes sociais e de alguma forma fazer algo pelo skate e outros que as contas chegam e nenhuma delas foi paga por esses conteúdos. 

A gente faz por amor. E amor não paga as contas, nem compra um shape novo. 

Então o que fica dessa reflexão é que você precisa sempre estar em evidência de alguma forma. Não é fácil, não é pra todo mundo, mas você precisa estar presente. 

Ou, você pode simplesmente desligar tudo, fazer qualquer outra coisa da vida pra ganhar dinheiro e viver bem em sociedade e ainda sim pegar seu skate e ir andar sem preocupação nenhuma. Essa última parece bem tentadora. 

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Se você está passando por um momento de dificuldade, seja física ou psicológica, procure ajuda. Existem diversos programas de saúde gratuitos e vários outros particulares. Aqui indicamos alguns links sobre isso

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/05/01/saude-mental-a-partir-de-r-1.htm

https://www.satedsp.org.br/2021/03/25/atendimento-psicologico-gratuito-ou-a-precos-populares-sao-paulo/

https://www.gov.br/pt-br/servicos-estaduais/obter-atendimento-psicologico-gratuito

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